#MUSEUdeMEMES Entrevista: Eduardo Jorge

19 maio
Por
Fernanda Freire
Mestra em Comunicação pela Uerj.
Entrevista com
Eduardo Jorge
Ex-Deputado Federal e candidato a presidente pelo Partido Verde nas eleições de 2014.

Presidente do Twitter, Rei da Zoeira, Mito dos Debates. Essas foram apenas algumas das alcunhas atribuídas ao então candidato pelo PV durante a campanha à presidência em 2014. Famoso por suas frases de efeito e gestos expansivos, Eduardo Jorge Martins Alves Sobrinho, ou simplesmente Eduardo Jorge, foi um dos candidatos que mais teve memes bem humorados retratando-no durante a corrida eleitoral, e repercutiu bastante nas redes sociais online.

Na entrevista, o médico sanitarista conta que não lidava muito bem com tecnologia, e que esta foi uma descoberta incrível e fundamental para a campanha. “Eu não gostava de usar nem celular, quanto mais internet”, diz. Nas redes, além dos muitos memes por conta de seu jeito peculiar, Eduardo Jorge diz ter encontrado um nicho considerável para dialogar. Notadamente o eleitor mais jovem, progressista e conectado passou a interagir e a discutir temas que ele propunha, tais como a legalização das drogas e do aborto.

Ao todo, levou cerca de 630 mil votos (0,61% do total de votos válidos), o que apesar de pouco, representa um número considerável, principalmente se levarmos em conta o curto tempo de TV, os ínfimos recursos da campanha e, sobretudo o fato de Eduardo Jorge não ser conhecido por boa parte dos brasileiros. Na época, o candidato também foi o primeiro a político do Brasil a ter uma lista de músicas personalizada no aplicativo Spotify. Nos Estados Unidos, o presidente Barack Obama, reconhecido por suas estratégias de campanha online criou um perfil no Spotify com playlists como 2012 Campaign e Michelle’s workout mix. As semelhanças não param por aí. Em 2014, em face ao sucesso de sua exposição como celebridade na internet, o comando de campanha de Eduardo Jorge, juntamente com a militância, logo incorporou a estratégia, e criou a fanpage (hoje extinta) Yes We Quero. A página foi uma espécie de ação de campanha, com peças visuais e memes compartilhados com outros usuários do Facebook, baseada no sucesso do slogan empregado por Obama em 2008.

A entrevista abaixo foi realizada nas instalações da PUC-Rio, após a apresentação de Eduardo Jorge em conferência a alunos e professores. O material integra o conjunto de fontes da pesquisadora Fernanda Freire (PPGCOM-Uerj), produzido ao longo do processo de confecção de sua dissertação de mestrado.

#MUSEUdeMEMES Como foi estruturada a sua campanha eleitoral de 2014?
Eduardo Jorge Foi uma candidatura de última hora, porque o candidato do PV, que era o Gabeira, um dos quadros ambientais mais preparados do país, não pôde ou não quis participar. Em março de 2014, o Diretório Nacional tinha que ter um candidato e como eu tinha experiência administrativa, já tinha sido secretário de saúde, secretário de meio ambiente, e deputado federal quatro vezes, me pediram para fazer esse papel de porta-voz do partido. Eu aceitei, sabendo que era uma campanha para falar de ideias, do programa, e nós precisávamos de instrumentos para conversar com o eleitorado, já que o nosso tempo de TV era muito reduzido ‐ apenas um minuto e quatro segundos. Houve ainda uma outra questão, fundamental, que interferiu na estratégia de campanha: eu disse que só aceitaria ser candidato se não recebêssemos dinheiro de nenhuma empresa, embora a lei daquela época permitisse. Mas eu mandei uma carta ao TSE dizendo que eu não iria receber. Dessa forma, os nossos recursos só podiam ser públicos ou de pessoas físicas. Diante desse cenário, algumas pessoas conversaram comigo e me alertaram sobre a possibilidade de fazer uma campanha mais horizontal, alcançando os quatros cantos do país, gastando quase nada: [em outras palavras] através da internet. Mas definitivamente não era a minha praia!

#MUSEUdeMEMES Como o senhor fez então? O senhor mesmo chegou a afirmar que não utilizava a internet antes das eleições. Como foi esse processo?
Eduardo Jorge Eu não gostava de usar nem celular, quanto mais internet… Usava celular obrigado, pois era secretário de meio ambiente em São Paulo e a prefeitura precisava me contatar. Já tenho 66 anos e as minhas mídias preferidas são o jornal e o livro. Para conversar, prefiro um bate papo ao vivo [risos]. Então, tive ajuda dos assessores da campanha [Ricardo Carvalho e Mônica Ribeiro]. Eles me explicavam tudo, e também alimentavam os canais. Meus filhos também contribuíram quanto à questão de aprender a mexer.

#MUSEUdeMEMES Pode-se dizer, então, que apesar da pouca familiaridade a princípio, a internet e as redes sociais foram peças-chave na campanha?
Eduardo Jorge Com certeza. O Ricardo se dispôs a trabalhar fortemente nessa parte, de forma voluntária. Ele montou um estúdio na sala da casa dele, para desespero de sua esposa, e a gente produzia programas feitos para internet, além de bate-papos ao vivo. A ideia dele foi que eu falasse na TV que estaria disponível na internet logo após Horário de Propaganda Eleitoral, e convidasse os eleitores a conhecer mais do nosso programa. Assim, durante meia hora, uma hora… chegamos a ficar até uma hora e meia falando sobre as nossas propostas e tirando dúvidas dos eleitores. Fizemos também um[a página no] Facebook, um [perfil no] Twitter e começamos a interagir continuamente.

#MUSEUdeMEMES E era o senhor mesmo que “twittava"?
Eduardo Jorge Depende. Muitas vezes, sim. Em outras, não. Mas as respostas sempre passavam por mim. A internet, para mim, foi uma descoberta extraordinária. Em cada conversa daquela, chegava pergunta de gente de vários lugares do Brasil, de gente da Paraíba, do Rio Grande do Sul, outra, de alguém da periferia de São Paulo ‐ isso nos programas ao vivo. Já no Facebook e no Twitter, acontecia permanentemente, o tempo todo. Portanto, eu entendi isso como interação horizontal muito democrática e fundamental na campanha. [Eduardo Jorge se tornou também “rei" das tiradas cômicas no Twitter. Dada a espontaneidade das respostas, muitos de seus tweets repercutiram como piada em diferentes mídias sociais.]

#MUSEUdeMEMES Sim, mas, além de pessoas querendo debater ideias, como o senhor mesmo disse, também têm aqueles que vão só para xingar e arrumar confusão, não é mesmo?
Eduardo Jorge É verdade que tem muita gente irresponsável, que xinga, que faz provocações, mas é preciso ter paciência e tolerância para dialogar com todos aqueles que querem dialogar. Esse meio significa uma democratização dos meios de comunicação sem precedentes, é uma outra época de comunicação.

#MUSEUdeMEMES O senhor também foi um dos candidatos mais comentados das redes sociais por conta do seu humor. Como o senhor encara o uso desse humor na campanha?
Eduardo Jorge O humor é a capacidade de rir de si mesmo, e o bom humor, o humor respeitoso, é uma forma de aproximação. Acredito que o humor é uma qualidade democrática. Quando há uma visão totalitária, é geralmente tudo muito pouco bem-humorado, porque nada pode sair daquela cartilha que se segue e tem que ser passada para a sociedade. O humor geralmente quebra essa cartilha. Eu acho que o bom humor, até para ouvir as críticas, faz parte de uma cultura democrática. Eu, que vim de uma tradição autoritária de esquerda, procuro sempre me reeducar e cada vez mais aceitar os princípios da democracia. Na minha cabeça, faz parte dos princípios da democracia ter tolerância. Melhor ainda é quando podemos levar isso com bom humor.

#MUSEUdeMEMES Uma das iniciativas que comprovam esse fato foi a criação da página Yes We Quero, que utilizava memes não só para entreter, mas também para elucidar algumas propostas. Como surgiu essa ideia?
Eduardo Jorge A ideia foi do Ricardo, que era o coordenador da campanha e eu gostei da sugestão. Ele e a Mônica perceberam que haviam muitos memes sobre mim circulando [na internet], e tiveram a ideia de usar esse artifício para falar com esses usuários. O conteúdo não era produzido por mim, e isso foi claramente explicado na apresentação da página (no Facebook), mas cumpria um papel auxiliar, porque permitia que a gente difundisse nossas propostas nessa mesma linguagem que os jovens usam.

#MUSEUdeMEMES A que o senhor atribui essa popularidade na internet? E o que acha de ter virado essa sensação?
Eduardo Jorge Ao poder da comunicação. E aí não digo só a internet, mas à comunicação tradicional, porque a televisão ainda é poderosíssima. Participar dos debates é como se você passasse a existir para as pessoas e também à internet, que te dá uma penetração extraordinária, muito mais próxima dos usuários e permite uma interlocução muito maior.

#MUSEUdeMEMES E como o PV reagiu a isso?
Eduardo Jorge O PV viu a campanha como uma novidade, e de certa forma até uma novidade arriscada, porque essa nossa decisão, de não aceitar dinheiro de empresas, fez com que ficássemos sem a fonte [de arrecadação] mais importante para uma campanha no Brasil. Mas eles viram também como uma campanha que garantiu e tem garantido uma forma de relançamento de ideias do PV, que, por ser um partido pequeno, estava tendo dificuldade de propagar suas ideias. Isso deu um reforço no Brasil inteiro. Muita gente não votou na gente por causa da polaridade da eleição. Encontrei muitas pessoas na rua que falavam: “Simpatizei muito com as suas ideias, mas não vou votar ‐ ou, não votei ‐ em você, para não perder o voto no primeiro turno”. Ou seja, foi um voto útil já no primeiro turno.

#MUSEUdeMEMES Mesmo após a campanha, vemos que o senhor continua presente nas redes. Por que houve essa mudança de postura?
Eduardo Jorge Quando acabou a eleição, eu pensei: “Caramba, antes eu tinha duas pessoas me ajudando, e agora o que eu faço? Eu sozinho vou ter de mexer em todo esse negócio? Tenho que trabalhar…”

#MUSEUdeMEMES Tem seis filhos para cuidar… [risos]
Eduardo Jorge O problema dos filhos é que, quanto mais velho fica, mais trabalho dá. E ainda tem neto [risos]. Mas eles mesmos falaram para mim: “Papai, você não pode desativar isso, porque seria uma coisa muito mal-educada. Você usa na campanha, e depois dá tchau? Não pode!” Então, pela importância, e em respeito aos usuários [seguidores], eu resolvi continuar, mas eu sei que é uma coisa precária. Às vezes, eu passo uma semana sem usar, procuro fazer nos finais de semana, ou num dia que estou mais disposto.

#MUSEUdeMEMES E o senhor tem percebido um contínuo engajamento, mesmo depois das eleições?
Eduardo Jorge Sim, tem se mantido. O Twitter só faz crescer o número de usuários (há mais de 200 mil seguidores). Quando eu faço postagens no Facebook tem um número de respostas incríveis. Eu coloquei um post agora antes de viajar sobre os lobistas que querem romper com o teto do salário e “voou” o número de comentários. Coloquei um outro há um tempo sobre alimentos orgânicos, um assunto que pode até parecer algo descolado da política, mas não é, e também teve uma procura muito grande. De maneira geral, tem se mantido constante. Tem muita gente que critica também, mas percebo muita gente querendo entender, debater e criticar de forma construtiva.

#MUSEUdeMEMES Você foi tido como “presidente da internet”, “candidato da zoeira”… Muitos eleitores começaram a te seguir nas redes sociais justamente por conta desse lado bem-humorado, e, de certa forma, puderam ter um maior contato com as suas propostas. Mesmo assim, no fim da votação, vimos que o senhor teve 0,61% dos votos, o que corresponde a 630 mil votos aproximadamente. Por que o senhor acha que essa interação não se converteu em um maior número de votos? O senhor teme que eles não tenham levado as propostas tão a sério?
Eduardo Jorge Não, acho que não foi isso. O humor não afasta ninguém, ao contrário. Acredito que tenha sido mesmo por essa questão do voto estratégico, e acho natural. Não levei a mal. Mas entendi que os eleitores já concentram os votos nos três candidatos que estavam na frente para tentar decidir a eleição no primeiro turno.

#MUSEUdeMEMES E ao que o senhor atribui então os votos da Luciana Genro, que chegou a ter uma porcentagem um pouco maior (1,55% dos votos)?
Eduardo Jorge Acredito que os votos da Luciana e de outros como o Pastor Everaldo, são votos dos seus próprios currais eleitorais. Eles existem na direita e na esquerda. Ou seja, há uma militância que vota em determinado candidato faça chuva ou faça sol. Não interessa. Essa não é a característica dos votos no PV, que geralmente recebe votos mais independentes.

#MUSEUdeMEMES O senhor tem algum plano de se candidatar a algum cargo eletivo para as próximas eleições?
Eduardo Jorge Eu tenho plano de não ser candidato profissional. Não sou candidato obrigatório, nem profissional. Minha profissão é ser médico, mas também não posso dizer que não vou ser. O PV tem insistido para eu ser candidato em 2016, porque eles acham que eu posso ajudar a levar mais visibilidade para o partido. Mas, por exemplo, lá em São Paulo, nós temos vereadores do PV muito bons e eu tenho a preocupação que eles sejam reeleitos, então não sei se, eu entrando [na disputa], poderia tirar o mandato deles. Ou seja, tenho que analisar muito profundamente se minha candidatura ajuda ou atrapalha.

#MUSEUdeMEMES Para finalizar, no seu Twitter, ainda em 2014, o senhor disse finalmente ter entendido o que é um meme. Conte para nós, o que é um meme na sua concepção?
Eduardo Jorge Um meme, para mim, é um recurso de humor que é usado, assim como uma caricatura, uma charge. Desde que não seja algo agressivo ou violento, o meme é positivo, ajuda a difundir a imagem. Eu levei a brincadeira numa boa e quando não concordava com alguma coisa, simplesmente ignorava.

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