#lovewins! Ou, por que o Facebook colorido importa?

02 jul
Por
Rangel Ramiro Ramos
Mestre em Comunicação pela UFF. Doutorando em Ciência Política pela UFPR.

A Suprema Corte norte-americana decidiu, no último dia 26 de junho, pela possibilidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo. Trata-se definitivamente de uma decisão histórica, dada a influência dos Estados Unidos no cenário mundial e por sua reconhecida história de conservadorismo e moralismo em certos campos. Após isto, o presidente dos Estados Unidos fez um pronunciamento parabenizando a decisão e afiançando seu apoio. A Casa Branca foi iluminada com as cores do arco-íris, um dos principais símbolos da luta LGBTTT por diversidade e direitos iguais. Diversas instituições e prédios e monumentos famosos seguiram o exemplo, assim como outros grandes líderes e celebridades se manifestaram nos EUA e no mundo. No ciberespaço e em sua infinidade de plataformas e aplicativos, várias empresas também se posicionaram favoravelmente, adicionando as cores do arco-íris em seus logos. A hashtag #lovewins ganhou suporte de várias empresas. O Facebook foi uma das empresas a se manifestar em apoio à decisão da Suprema Corte. E, além disso, criou um simples aplicativo que permitia a cada usuário da rede colorir a sua própria foto como forma de apoio à decisão.

Tal possibilidade rapidamente repercutiu no Brasil. Um grande conjunto de celebridades midiáticas e políticas começaram a colorir suas fotos, a exemplo de Chico Buarque, Belchior, Xuxa, Dilma Rousseff, Lula, Eduardo Suplicy etc etc. Diversas instituições também coloriram os avatares de seus perfis, como o Palácio do Planalto e diversas prefeituras pelo Brasil. E, obviamente, os usuários também adotaram a “moda”. Como era de se esperar, para muitos (não necessariamente contrários ao casamento homoafetivo) tratou-se de uma “modinha”. Algo inócuo que em nada ajuda a luta por direitos iguais dos casais homoafetivos. Outros simplesmente ironizaram a prática. Alguns, ainda, chegaram a questionar, por exemplo, o porquê de campanha semelhante não ter sido realizada quando algo semelhante foi aprovado no Supremo Tribunal Brasileiro. A questão de fundo é: “realmente importa”? Ou “faz alguma diferença”? Ou ainda, é apenas uma modinha ocasionada única e exclusivamente por ter ocorrido nos Estados Unidos?

A resposta simples é: sim. Evidente que faz. A resposta complexa… bem, é mais complexa. Porque se tomarmos efetividade, influência ou impacto como algo prático e direto, provavelmente a eficácia destas ações seja provavelmente nula. Dificilmente, amanhã veremos um deputado propondo um projeto de lei (ou pedindo a votação de algum projeto de lei que já esteja na fila) unicamente pelas fotos coloridas do Facebook. Provavelmente, a própria decisão na Suprema Corte seria muito mais influente neste sentido que as nossas fotinhas coloridas (por mais lindas que elas sejam!!).

Por outro lado, em política, já sabemos (ou deveríamos saber) que influência, efetividade e mudanças não ocorrem do dia para a noite. Decisões políticas seja na forma de políticas púbicas ou legislações podem demorar a aparecer. Agora, certamente estas ações e um bom clima de opinião sobre um tema sempre pode abrir uma janela de oportunidade para um representante propor uma lei ou um político aprovar uma política pública inclusiva. E tal janela de oportunidade não é pouca coisa em determinados casos.

Ademais, grupos e associações cívicas, movimentos sociais, ONGs e cidadãos interessados já sabem que boa parte das campanhas e do engajamento não se restringe a influenciar o Estado. Em especial, quando se tratam de grupos minoritários. Tratam-se de influenciar a esfera pública. Em desafiar os discursos, opiniões e enquadramentos existentes na sociedade. Ou seja, como estes grupos são vistos, avaliados e/ou reconhecidos pela sociedade. Ou seja, a representação simbólica de um grupo é vital.

É aqui que nossa “modinha” importa. Ao colorir seu perfil, em maior ou menor medida, os indivíduos, os políticos, as celebridades e as instituições estão fazendo um posicionamento político no campo simbólico. #lovewins, por exemplo, quer dizer que o amor vence o desrespeito, o preconceito, o conservadorismo e o fanatismo. Ao colorir o seu perfil, os indivíduos e instituições estão, em alguma medida, reconhecendo que os casais homoafetivos têm os mesmos direitos de se amar e de casar. É simbolicamente reconhecer (e apoiar!) a diversidade.

A questão “modinha” é apenas uma retórica pouco elaborada. Em qualquer movimento, causa, agitação, campanha, passeata, manifestação etc. política seja presencial ou on-line (ou, hoje em dia, simultânea) irá contar com participantes com diferentes níveis de conhecimento político e interesse pela causa. Não é ser on-line que torna a questão uma “modinha” ou descartável então. E, geralmente, os números importam. Faz muita diferença a manifestação x em São Paulo ter reunido 200 mil pessoas ou 1 milhão e 200 mil. Muita diferença. E muitos estão lá apenas para parecer. Apenas para estarem nos grupos. Ou até simplesmente para sair de casa. Ajudam a fazer número e sendo otimista, algum ganho pode ter em participar de alguma ação. Então, mesmos os que se juntam apenas pela “festa” não podem ser simplesmente descartados. Obviamente, o mesmo vale para este tipo de ação on-line. Muitos podem ter mudado o avatar por “modinha” e depois procurado entender os verdadeiros motivos. Aqueles que não retornaram o avatar ao original em seguida já indicam que apoiam a causa.

Ademais, como já sabemos das várias teorias da opinião pública, faz muita diferença. Determinados grupos e pessoas com pensamentos preconceituosos e homofóbicos poderiam, por exemplo, achar que todos pensam da mesma maneira e que estão no grupo dominante da opinião pública. Esta manifestação dá uma forte indicação de que isto pode não ser tão verdade como alguns defendiam. Que há milhões de pessoas que apoiam os direitos iguais para os homossexuais, o fim do preconceito, da perseguição e que há políticos, instituições políticas, celebridades e grupos cívicos diversos que poderão se posicionar contra o avanço do conservadorismo homofóbico.

A janela de oportunidade também é para o agendamento da discussão, para a introdução ou reforço de temas da causa. E aí novamente em todas as instâncias. Por exemplo, a ONU Brasil se manifestou a favor da causa assim como Mark Zuckerberg, diretor do Facebook, apresentando inclusive dados do crescimento da comunidade LGBT na rede social. Estas manifestações e apoios de políticos, grupos, celebridades, artistas e instituições são simbolicamente importantes para a causa no geral. É aqui que está a resposta do porquê semelhante ação não foi realizada quando o supremo brasileiro deu parecer similar no Brasil.Não é preciso espírito de vira-lata e dizer que a modinha se deu apenas “porque foi nos EUA”. Na verdade, houve muita comemoração e atos na época. Simplesmente não viralizou nesta magnitude. Na política digital, como sabemos, é difícil prever os atos que darão certo ou não. Se vão ganhar grande alcance e apoio. Desta vez houve e é bobagem criticar apenas por ser “algo” dos Estados Unidos. O apoio à diversidade e ao simbolismo de tal aprovação não se restringe aos Estados Unidos. Este é o ponto.

Não necessariamente hoje. Não necessariamente por esta simples ação, mas nestas questões o acúmulo importa. Não é que amanhã o preconceito terá acabado e cada um que mudou o avatar passará a defender estes grupos minoritários. Não é que o preconceito acabou. Seria bobagem pensar nisso, assim como também não adianta reduzir o ato a nada. As pessoas são complexas. Têm pensamentos, perspectivas e posicionamentos políticos difusos e, muitas vezes, contraditórios. Poderão hoje colorir o avatar e amanhã ofender um homossexual. Não se trata disso. A luta simbólica continua, mas cada avatar colorido é uma micro contribuição.

Cada ação com grande visibilidade e boa repercussão é um ganho que não pode ser desconsiderado. É através destas mudanças na opinião pública fomentadas por grandes debates na esfera pública que podemos efetivamente esperar a tal efetividade ou impacto no sistema político formal seja na criação de leis pelo Legislativo ou nas decisões do Judiciário. Seja ainda em políticas públicas de inclusão promovidas pelo Executivo. É a tal janela de oportunidade que mencionei. É muito difícil dizer exatamente o que importa mais ou menos. O que realmente influencia. Qual a influência ou importância de cada pequena campanha ou manifestação. Mas política é assim mesmo.

Nada como um arco-íris depois de tantos dias chuvosos na política brasileira.

* O texto acima foi originalmente publicado no site Comunicação & Política e reproduzido no #MUSEUdeMEMES com autorização do pesquisador.

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